Seminário
Os impactos da globalização na alimentação



Modelos de produção agrícola
- preços, distribuição e consequências alimentares


intervenção de João Vieira
Agricultor, dirigente da Confederação Nacional de Agricultura
e da Coordenadora Agrícola Europeia



A Política Agrícola Comum, o Acordo de Blair House e a Organização Mundial de Comércio, impõem um modelo de produção agrícola que se baseia na procura do menor custo de produção, para que as Agro-Indústrias e a Grande Distribuição Alimentar possam obter a matéria-prima ao preço mais baixo possível. As chamadas ajudas à produção são uma fantástica transferência indirecta do dinheiro público para esses sectores. Tudo isto conjugado traduz-se num aumento fabuloso dos seus lucros e na ruína da pequena e média agricultura.

A isto o discurso oficial, tanto da UE como dos Governos Nacionais, chamam a "competitividade". Reduziram a alimentação humana a uma mercadoria banal, o que não pode ser, por razões de saúde e de conservação de equilíbrios ambientais.

A diminuição dos preços à produção iniciada com a reforma da PAC de 1992, assinada por um Ministro português da Agricultura (Arlindo Cunha), inscreve-se nos objectivos da globalização neo-liberal, na perspectiva de um preço mundial único para os produtos agrícolas no âmbito da Organização Mundial de Comércio, de modo a que as Multinacionais possam ter o controle absoluto da Arma Alimentar, o que representa imensos perigos para a Humanidade, entre outros e desde já.

Os transgénicos e a irradiação dos alimentos, o que é isto?
Uma técnica saída da Indústria Nuclear que expõe os alimentos a radiações ionisantes a fim de eliminar a existência de células vivas. Trata-se de uma grave incitação à degradação das regras sanitárias das fileiras agrícolas e alimentares.

O Acordo de Blair House, celebrado entre os Estados Unidos e a UE (1992) cujas consequências são impostas aos restantes países, mostra que as duas potências económicas através das suas firmas económicas e agro-industriais querem controlar a alimentação Mundial. Trata-se de uma questão estratégica de elevada importância.
Lembro aqui, a propósito, que Portugal importa em cada ano 600 milhões de contos de produtos agrícolas e 100 milhões de contos de peixe.
Através deste pacto (acordo) a UE fica obrigada a importar dos Estados Unidos as proteínas para a alimentação animal (sopa, milho), cerca de 35 milhões de toneladas. É o défice da UE.
Mas entretanto, a União Europeia paga com o dinheiro dos contribuintes subvenções de milhões de contos para deixar terras em pousio que poderiam produzir essas mesmas proteínas, é a incoerência da PAC. Mas tudo isto está também relacionado com questões militares impostas pelos Estados Unidos.

O actual modelo de produção agrícola elimina na UE 200.000 agricultores em cada ano que passa. Isto significa uma alta concentração da Produção e uma industrialização crescente da mesma, que está na origem dos últimos escandalos alimentares: vacas loucas, frangos com dioxinas, porcos com antibióticos (na Europa do Norte morrem pessoas em consequência disto, mas é desconhecido do grande público). O objectivo é sempre a competitividade e o mínimo preço de custo, e para isso se transformaram os herbívoros em carnívoros. Nesta competição não estão contabilizados os custos económicos, sociais e ambientais deste modelo de produção.

A desertificação humana de regiões inteiras e a acumulação nas cidades com os problemas inerentes. Não está também contabilizada a factura dos insecticidas, pesticidas, herbicidas, nitratos, que são uma autêntica bomba de retardamento, bem como todas as substâncias cancerígenas a contaminação dos lençóis freáticos. O barato vai sair caro!...

Pela sua dimensão tudo isto passa a ser um problema de sociedade e não só dos agricultores. Para isso é necessário alertar, criar alianças com outros sectores.

A CNA está na primeira linha para exigir uma profunda reforma da PAC que mantenha agricultores em todas as regiões, que remunere o seu trabalho através de preços justos à produção, sem que o consumidor seja penalizado por isso, que viabilize uma produção repartida, diversificada, de qualidade, que defenda a multifuncionalidade do trabalho do agricultor, sustentável relativamente à natureza.
A CNA trabalha pela defesa da Soberania Alimentar, isto é, o direito de cada País ou região a decidir o seu modo de produção agrícola e alimentar, o direito a proteger-se através de taxas alfandegárias.

Coloquemos o Direito e não o Mercado no centro das negociações internacionais.

É preciso parar a corrida à mercantilização generalizada antes que seja tarde demais.

João Vieira